Ao contrário do que apregoam pedagogos, políticos e a propaganda governamental, educação não é um direito. É um privilégio.
Explico. Bilhões de pessoas já viveram na face da Terra sem ter acesso à educação, não porque algum ser ou grupo malvado roubava delas algo que lhes era uma posse pré-existente, mas porque não havia ninguém que tivesse os recursos e a capacidade de oferecer a educação a todas elas.
A oportunidade de estudar não é resultado de boa vontade, mas de esforço e trabalho — dos que ensinam e dos que pagam por ela. Os pais trabalham duro para dar aos filhos o privilégio de estudar. O cidadão comum trabalha o ano inteiro para pagar os impostos que financiam as escolas e as universidades, que muitos estudantes vêem como obra da natureza (como o nascer e o pôr-do-sol).
Um estudante de uma universidade pública nunca deveria pensar que está desfrutando de um direito natural, de uma prerrogativa concedida a ele unicamente por ser “um estudante”. Não é porque alguns intelectuais escreveram livros declarando que as pessoas deveriam ser obrigadas a pagar imposto para financiar os meus estudos que isso se torna verdade. O trabalhador comum, pagador de impostos, não tem nenhuma obrigação moral de pagar pela minha vaga na universidade.
A educação a que temos acesso nunca foi nem nunca será um “direito”, como os estudantes entendem “direito” hoje. É uma conquista. Uma concessão da sociedade, dos pagadores de impostos, para que eu possa desfrutar do que grande parte da população não pode, pois tem outras coisas mais imediatas com as quais se preocupar.
Passar no Vestibular é, inegavelmente, um mérito, que se transforma em um tipo de direito sobre a vaga existente. Mas a existência da vaga em si não é um direito, nem sequer conquista pessoal. A vaga não existe porque eu passei no Vestibular nem porque tenho o direito à existência dela, mas porque alguém se deu ao trabalho de criá-la e de pagar por ela. Um graduando, mestrando ou doutorando de uma universidade pública devia ter plena consciência de que a sociedade não deve nada a ele. Ele é que tem uma dívida para com ela.
As chamadas vagas nas universidades públicas, portanto, não devem ser vistas como “vagas”, como se estivéssemos falando meramente do acesso físico às instituições, mas como bolsas — bolsas de estudo, literalmente — concedidas pela sociedade e pelo governo para pagar pelo curso que o estudante fará.
Seria muito interessante e desejável que o estudante, ao ingressar na universidade, fosse explicitamente informado de quanto ele custa para a sociedade; e que a relação entre o universitário e o governo fosse explicitada em termos contratuais. O raciocínio seria o de que as universidade públicas, na verdade, cobram sim mensalidades de seus alunos, mas que essas mensalidades são pagas diretamente pelo governo, através de bolsas integrais, às quais os universitários concorrem e pelas quais devem prestar contra-partidas.
Em um sistema assim, fica claro que o Vestibular não é simplesmente uma prova de “acesso” à universidade, mas um sistema de classificação para a distribuição de bolsas governamentais para as universidades estaduais e federais. O efeito disso? Seria, ao menos, uma primeira tentativa de mudar uma mentalidade que desperdiça tanto dinheiro público, por achar que as universidade são sustentadas por mera ideologia ou pela mera boa vontade de um político paternalista corrupto.
Quem pagou pelo seu diploma?
P.S.: Há que se considerar também o fato de que o próprio universitário (ou sua família) também paga impostos que não usados para custear, entre outras coisas, as universidades, portanto as bolsas do governo não são inteiramente concessões. Isso faz com que a idéia de contrato sirva não apenas para a família saber quanto o estudante custa para o conceito vago de sociedade, mas quanto custa dos seus próprios impostos.
[Publicado originalmente em 01 de junho de 2010. Ressuscitado em 01 de julho de 2017]