quarta-feira, 18 de outubro de 2017

“Eu vou bater em você!”

[Post publicado originalmente em 16 de julho de 2010. Ressuscitado em 18 de novembro de 2017]

O presidente da República [Lula] anunciou esta semana o encaminhamento ao Congresso de um projeto de lei contra os “castigos físicos” dos pais nos filhos. O pai da pátria usou, pelo menos, quatro argumentos para defender este projeto:

(i) uma tese pedagógica: “punição e chicotadas” não resolvem os problemas de educação.

(ii) uma exemplificação didática: ele próprio “nunca” bateu em seus filhos.

(iii) uma condição de falseabilidade: “se palmada e punição resolvesse, não haveria corrupção no país”.

(iv) uma refutação antecidapa às críticas: quem reclamar contra o projeto é “reacionário”.

O verdadeiro problema desse país não é a impunidade! É a punição demais...


Como esse blog não tem nenhum medo do palavrões “reacionário” e “conservador”, que não significam absolutamente nada nas discussões políticas atuais, vamos entrar nessa discussão. Pelo método Jack:

Em primeiro lugar, todo e qualquer projeto que queira punir maus tratos dos pais tem que ser muito cuidadoso para não confundir uma simples palmada com lesão corporal. Leis contra abusos, punindo lesão corporal e agressão, já existem. Uma nova lei sobre o assunto não seria destinada apenas a esses casos graves, mas a qualquer uso de força física sobre os filhos. E não apenas por falha da nova lei (ou por reacionarismo de minha parte), mas porque é exatamente essa a intenção daqueles que defendem tais medidas. Ora, até mesmo segurar uma criança pelo braço e puxá-la com força para o banheiro é um uso de “força física”. Pode ou não pode? Vamos depender da compreensão do juiz para relaxar a aplicação da lei, caso isso ocorra?

Em segundo lugar, não importa quantas manobras retóricas os progressistas façam para tentar justificar suas teses — quebrar os dentes de uma criança e dar uns tapas na sua bunda não são nem física nem moralmente equivalentes. Tentar punir os pais por simples tapas ou palmadas com base em argumentos emotivos contra a “violência doméstica” ou excessos retórico como falar em “chicotadas” ou “espancamento” é falta de honestidade intelectual. Recorre-se algo grave, que o estado NÃO consegue punir, para justificar a punição de algo incomparavelmente menos grave, que o estado não DEVIA punir.


Curiosamente, quem protestou contra ESTE caso de VIOLÊNCIA infantil
também foi chamado de reacionário pelo presidente. Lembram?


Em terceiro lugar, a afirmação do presidente de que “punição não resolve” tem tanta validade científica quanto a frase oposta — “punição resolve”. Trata-se apenas de uma afirmação que soa bonita, moderna e progressista, mas que carece de fundamento. Muito pelo contrário. Forçando um pouco a barra, é mais fácil achar base científica para a eficiência da punição do que o contrário. É só ler a psicologia comportamentalista, que mostra que punições, inclusive físicas, têm sim uma eficácia em influenciar alguns comportamentos. (E mesmo as críticas de inatistas como Chomsky às teses comportamentalistas sobre o funcionamento global da mente nunca invalidaram os resultados empíricos sobre a influência de certos aspectos do comportamento). Certos psicólogos que dão, de vez em quando, declarações no sentido contrário (“palmadas não funcionam, traumatizam, blá, blá, blá”) estão muito mais baseados em uma visão ideológica sobre como acham que devia funcionar a psicologia humana do que na forma como ela realmente funciona.

Em quarto lugar, a afirmação do presidente sobre a forma como ele criou seus filhos, sem bater, não tem nenhum valor como argumento para esta proposta. Afinal, nenhum de nós sabe se a ausência de palmadas foi positiva ou negativa na criação deles. (Considerando a maioria das notícias que temos sobre eles, deveríamos apostar que foi negativa). Mesmo que tenha sido positiva, a única conclusão a que isso leva é que devemos parabenizar o presidente por não ter precisado bater em seus filhos — e mais nada. Isso continua sendo apenas uma experiência individual, específica, que não pode servir de base para o presidente impor sobre os 193 milhões de cidadãos brasileiros a mesma forma de criar os filhos que ele usou para criar os seus.

Essa é a questão fundamental para o debate — a questão da legitimidade.

De onde viria a autoridade moral para o estado brasileiro determinar o modo como milhões de famílias brasileiras devem educar os seus filhos? De que fonte de sabedoria superior os nossos infalháveis infalíveis políticos bebem para chegar a conclusões inquestionáveis sobre qual é a única forma correta e aceitável de criarmos nossos filhos? Respostas devem, por favor, ser encaminhadas para o e-mail:

euacreditoemduendes@esquerdismo.com


Mais do que isso, os defensores dessa proposta sequer percebem as contradições em que se colocam. O estado brasileiro se coloca como um pai de todos nós brasileiros, um pai que se considera com autoridade suficiente para ditar o modo como nós devemos criar nossos filhos — seus netos —, e que nos diz, com voz de ameaça:

“Eu sou o seu pai e mando em você! E eu estou dizendo: não bata nos seus filhos! Se você bater neles, eu vou bater em você!!!”

Daria até para não rir dessa situação, se não percebêssemos que ela é muito mais grave do que aparenta.

Argumentos para combater as palmadas paternas também se baseiam na afirmação de que elas induziriam as crianças à violência. Um exemplo de como essa afirmação vaga é tola nos é dado por Rafa Guerra, do Cheiro de Café. Tal idéia é baseada naquela velha visão de certos psicólogos progressistas que, apesar de todas as provas científicas em contrário, acreditam que o ser humano é uma tábula rasa e que não existe nada parecido como uma “natureza humana” e que, portanto, nenhum ser humano é violento por natureza. Segundo tal visão, a predisposição para a violência na nossa espécie não tem relação alguma com a nossa base genética, mas com as más influências da sociedade, que nos enchem de egoísmo, individualismo, violência e capitalismo — afinal, somos todos bons selvagens rousseaurianos, corrompidos pela civilização capitalista reacionária.

Essa visão ideológica sobre a (ausência da) natureza humana não apenas tem sido sistematicamente contrariada pelos estudos científicos (e eu, ironicamente, recomendo o esquerdista-até-a-alma Noam Chomsky ou o ateu Steven Pinker para visões anti-progressistas sobre a mente e a natureza humanas), como cai em um erro lógico gigantesco: se a violência não é natural do ser humano, mas fruto “da sociedade”, como é que ela começou a existir... “na sociedade”? Sim, porque, se é preciso influência externa para iniciar o comportamento violento, ele nunca devia começar a existir em comunidades em que há apenas seres naturalmente não-violentos. Ou será que a violência veio importada por ETs?


Acabando com a violência na sociedade (Fonte: Ti-rinhas)



Mas todas essas idéias justificam apenas a visão daqueles sobre aquilo que é certo ou errado. O que faz com que, a partir dessas noções, eles anseiem por impô-las sobre todos os demais vem de outro lugar. E está relacionado ao que eu disse em outro post [indisponível]: eles acham que todas as pessoas são idiotas e que não têm capacidade de tomar as melhores decisões sobre suas vidas como, por exemplo, a forma como criar seus filhos. Uma vez que nós, idiotas, não sabemos isso, eles, sábios, se vêem na obrigação de tomar essas decisões por nós.

Eu nem discordo da premissa de que as pessoas (eu, você e todos os outros) são burras. Discordo é da pressuposição oculta de que todos são burros — menos eles.

Em um próximo texto, falo mais sobre esse assunto.

Texto recomendado: “Lula quer estatizar nossos filhos

1 comentários:

Isis Barros disse...

Imagine só uma cena: a casa, a mãe, o filho de 2 anos, a tomada:
Gabrielzinho tem 2 anos, mal sabe andar, mal sabe falar. Ele olha dois buracos fluorescentes na parede que brilham em sua direção. Atraído por tanto esplendor, vai em direção aos buracos, pq ele quer tocar, ele quer ver como é...
A mãe vê a cena e diz para Gabrielzinho: "Filho, não faz isso, olha, faz mal... muito mal..."
É fato que Gabrielzinho não entende todos aquelas palavras, ele ainda não compreende o poder daquelas palavras. Os dois buraquinhos da parede fazem mais sentido!!

E ai? O que será que a mãe de Gabrielzinho vai fazer, se ela não pode simplesmente esbofetear sua mãozinha, mostrando-o que todas as vezes que ele se aproxima dali, ele vai se machucar?? Complicado... uma criança em sua fase mais concreta não entenderia sequer dois minutos de prosa com seus pais a respeito dos perigos que lhe cercam... Decepcionada! Brasil só dá bola fora, porra!!

 
Nós confiamos em Deus; quanto aos outros, que paguem à vista.